terça-feira, 30 de março de 2010

Uma lenda árade da criação

Retirado do livro Historias para pais, filhos e netos, de Paulo Coelho.


No seu Livro do fantasma, Alejandro Dolina associa a história da areia uma das lendas da criação do povo árabe.



Diz ele que, assim que terminou de construir o mundo, um dos anjos advertiu o Todo-Poderoso de que esquecera da colocar areia na Terra; grave defeito, se considerarmos que os seres humanos estariam privados para sempre de caminhar junto aos mares, massageando seus pés cansados e sentindo o contato com o chão.

Alé disso, o fundo dos rios seria sempre ríspido e pedregoso, os arquitetos não poderiam usar um material indispensável nas construções, as pegadas dos namorados seriam invisíveis. Disposto a remediar seu esquecimento, Deus enviou o Arcanjo Gabriel com uma enorme bolsa cheia de areia, para que a derramasse em todos os lugares em que fosse necessária.

Gabriel fez as praias, os leitos dos rios, e , quando voltava para o Céu trazendo o material que havia sobrado, o Inimigo -sempre atento, sempre disposto a estragar a obra do Todo-Poderoso- conseguiu fazer um furo na bolsa, que arrebentou, derramando todo o seu conteúdo. Isso aconteceu no lugar em que hoje é a Arábia, e quase toda a região se transformou num imenso deserto.

Gabriel, desolado, foi pedir desculpas ao Senhor, por ter deixado que o Inimigo se aproximasse sem ser visto. E Deus, em Sua infinita sabedoria, resolveu recompensar o povo árabe pelo erro involuntário de seu mensageiro.

Criou para eles um céu cheio de estrelas, como não existe em nenhum outro lugar do mundo, para que sempre olhassem para o alto.

Criou o turbante, que, debaixo do sol do deserto, é mais valioso do que uma coroa.

Criou a tenda, permitindo que as pessoas se movessem de um lugar para o outro, sempre tendo novas paisagens ao redor, e sem ter as obrigações aborrecidas da manutenção de palácios.

Ensinou o povo a forjar o melhor aço para a espada. Criou o camelo.
Desenvolveu a melhor raça de cavalos.

E lhe deu algo mais precioso do que estas e do que todas as outras coisas juntas: a palavra, o verdadeiro ouro dos árabes. Enquanto os outros povos modelavam metais e as pedras preciosas, os povos da Arábia aprendiam a modelar o verbo.

Ali no deserto, o poeta passou a ser sacerdote, juiz, médico e chefe dos beduínos. Seus versos possuem poder: podem nos trazer alegria, tristeza ou saudade. Podem desencadear a vingança e a guerra, unir amantes, reproduzir o canto dos pássaros.

E conclui Alejandro Dolina:
"Os erros de Deus, como os dos grandes artistas, ou dos verdadeiros enamorados, desencadeiam tantas compensações felizes, que as vezes vale a pena deseja-los".





Essa é uma de minhas histórias preferidas! Quando estou triste, deprimida e chegando a conclusão que não sei fazer nada direito, sento com esse livro no colo, leio e passo a sentir que sei fazer algo de bom: sei amar, e quem faz com amor, não erra. Bj

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